Saltar para o conteúdo

Eu sei que!

Maio 17, 2014

Era uma vez um Mundo do EU SEI QUE

Nesse Mundo toda a gente dizia “eu não faço porque EU SEI QUE… os outros também não fazem!”
Onde as pessoas chegavam atrasadas porque “EU SEI QUE o outro vai chegar atrasado, por isso não vou chegar a horas!”
Nesse Mundo todas as pessoas andavam desmotivadas, porque “EU SEI QUE os outros também andam!”
Nesse Mundo ninguém fazia a sua parte, porque “EU SEI QUE os outros também não fazem!”
E nesse Mundo todos eram um pouco menos pessoas “porque EU SEI QUE os outros também o são!” e vivia-se nesse ciclo vicioso só porque EU SEI QUE…
Esse era um Mundo de desculpas, de coitadinhos e de infelizes não por responsabilidade própria, mas porque EU SEI QUE a responsabilidade é dos outros!

Mas… num outro canto existia um outro Mundo!

Por incrível que pareça também ele um Mundo do EU SEI QUE… mas, completamente diferente…
Nesse Mundo toda a gente dizia “EU SEI QUE os outros não fazem, mas acredito que construindo os outros vão aprendendo a fazer!”
Onde as pessoas chegavam a horas porque “EU SEI QUE o outro vai chegar atrasado, mas é tão bom cumprir-me perante o outro e ele saber que quando lá chegar já eu estarei, como prometido, à sua espera!”
Nesse Mundo todas as pessoas andavam motivadas, porque “EU SEI QUE os outros se motivarão pelo meu exemplo!”
Nesse Mundo todos faziam a sua parte, porque “EU SEI QUE que os outros têm a sua, e a minha ninguém fará!”
E nesse Mundo todos eram cada vez mais pessoas “porque EU SEI QUE os outros também podem vir a ser mais!” e vivia-se nesse ciclo vicioso só porque EU SEI QUE…
Esse era um Mundo de gratidão, de pessoas disponíveis, contentes por responsabilidade própria, porque EU SEI QUE a responsabilidade é minha!

E este era um Mundo onde “EU SEI QUE o Amor vencerá!” e onde este tem sempre a última palavra, ainda que outros ECOS pareçam ser a última coisa que se escuta contra tantas muralhas!

(Ana Ascensão, in derrotarmontanhas)

Oração mariana

Maio 7, 2014

Deus de toda a Bondade,
reunimos-nos em oração junto da Tua filha Maria de Nazaré 
porque reconhecemos nela a grande obra do Teu Amor por nós. 
Aquela que disse de si mesma 
“Aquele que pode tudo pôde em mim coisas maravilhosas” 
tornou-se para nós um modelo de Fé e de acolhimento à Tua Palavra. 

Ensina-nos aquela HOPITALIDADE às Tuas visitas 
que é capaz de nos transformar a vida e torná-la fecunda.

Coloca no nosso coração a arte da PACIÊNCIA
e a sabedoria de Meditarmos em cada momento
os Teus Sinais e a Tua Vontade,
dando-lhe voltas dentro de nós
como quem se prepara para fazer da vida Pão Partido e generoso.

Acompanha-nos na Hora da INCOMPREENSÃO,
quando nos parece que a missão do Teu filho Jesus é muito exigente,
de maneira a não sentirmos medo nem fugirmos
da Promessa que o Evangelho das Bem Aventuranças nos faz.

Amadurece, com a força do Teu Espirito Santo,
a nossa ATENÇÃO ao que se passa à nossa volta,
sobretudo em relação àqueles que são mais pobres ou passam dificuldades.

Abre a nossa existência à MISSÃO
de darmos testemunho do Teu Reino
de maneira a que nós tornemos nós mesmos
uma Boa Notícia de Salvação
para aqueles a quem tu amas com tanto carinho como filhos Teus.

Deus de toda a Bondade, cristifica a nossa vida,
não desistas de nós nunca,
para sermos cada vez à Tua Imagem e Semelhança
e ao jeito de Jesus de Nazaré.

Pai de Jesus e Pai Nosso,
ajuda-nos a vivermos como Teus filhos
e a comportarmos-nos como irmãos discípulos de Jesus,
ele que vive contigo e connosco na unidade do Espírito Santo.
Amen
(Rui Santiago)

Boa Páscoa

Abril 18, 2014
tags:

Desejar boa Páscoa, é desejar que Jesus seja o Senhor da nossa história e nos livre de todos os senhorias sem história. Ele está vivo para nos recordar disso e nos inspirar com o seu Ruah.

Dessa forma, que façamos da nossa vida aquilo que Ele fez: fazer-se tudo para todos, ser pão partido e repartido para a vida do mundo. Isto é a fé digna de ser celebrada.
pascoa 2014

Dizem por aí…

Abril 18, 2014
tags: ,

Dizem por aí…

Que devemos ser correctos, sensatos.
Que não é bom misturarmo-nos com más companhias.
E por isso o melhor a fazer é separar. Separar os “puros” dos “impuros”, os justos dos pecadores, os bons dos maus… Enfim, dizem por aí…

Mas EU nunca disse!!! Nunca agi assim!
Tornei-me companheiro, amigo, apaixonado, … IRMÃO de condenados.
E tanto os amei ao ponto dos “puros” não me suportarem mais.
Por isso condenaram-me também.
Condenaram-me por “anunciar a Boa-Nova aos pobres”, “dar a vista aos cegos”, “libertar os cativos”… Por “salvar o que estava perdido”.
Outros “puros” ainda deformaram-me à sua imagem e semelhança elevando-me como o “mais puro”.
E com uma máscara piedosa velaram o meu rosto Salvador.
Os fariseus ainda continuam por aí… De dedo em riste, procuram condenados…
Alguns gabam-se até de o fazer em meu Nome… Sim, ainda hoje andam por aí… Ainda dizem por aí…

Mas Eu também continuo por AQUI! Como o Emanuel, o Ressuscitado!
Não aí …como acusador ou juiz, Mas AQUI Contigo…como Irmão, como Vivente. Como Salvador.

Por favor, mana… mano…
Devolve o meu rosto Salvador. Ajuda-me a condenar todos os rótulos. Acolhe Comigo, dialoga Comigo, Ama Comigo… Salva Comigo… Sê o meu rosto Comigo
EMANUEL

Soube que me amavas

Abril 14, 2014

Pai de verdade

Março 22, 2014

Pai de verdade sabe que ser pai não é simplesmente recolher o fruto de um momento de prazer, mas sim perceber o quanto pode ainda estar verde e ajudá-lo a amadurecer.

Pai de verdade não só levanta o filho do chão quando ele cai, mas também o faz perceber que a cada queda é possível levantar.

Ele não é simplesmente quem satisfaz os caprichos: ele sabe perceber quando existe verdadeira necessidade nos pedidos.

Pai de verdade não é aquele que escolhe as melhores escolas, mas o que ensina o quanto é necessário o conhecimento.

Ele não orienta com base nas próprias experiências, mas demonstra que em cada experiência existe uma lição a ser aprendida.

Pai de verdade não coloca modelos de conduta, mas aponta àqueles cujas condutas não devem ser seguidas.

Ele não sonha com determinada profissão para o filho, mas deseja grande e verdadeiro sucesso com a sua real vocação.

Ele não quer que o filho tenha tudo que ele não teve, mas que tenha tudo aquilo que merecer e realmente desejar.

Pai de verdade não está ali só para colocar a mão no bolso para pagar as despesas: ele coloca a mão na consciência e percebe até que ponto está a alimentar um espírito de dependência.

Ele não é um condutor de destinos, mas sim o farol que aponta para um caminho de honestidade e de Bem.

Pai de verdade não diz “Faz isto” ou “faz aquilo”, mas sim “tenta fazer o melhor com aquilo que já sabes”.

Ele não acusa os erros e nem sempre aplaude os acertos, mas pergunta se houve percepção dos caminhos que levaram o filho a esses fins.

Pai de verdade mesmo é o Amigo sempre presente, atento e amoroso – com a alma, de joelhos, pedindo a Deus que o oriente na hora de dar conselhos…

“Acompanhar, e não condenar, casais que fracassam no amor”

Fevereiro 28, 2014
Pois é… quando falamos nós, não temos autoridade, e somos desalinhados. Agora falou a autoridade para quem precisa dela… Irá fazer a diferença?“Jesus respondeu explicando aos fariseus porque Moisés havia feito aquela lei. Deixando a casuística de lado, ele vai ao centro do problema e chega aos dias da Criação. A casuística é uma armadilha: “por detrás da mentalidade de reduzir tudo a casos, existe sempre uma armadilha contra as pessoas e contra Deus, sempre!”.

O Papa citou depois a referência ao Génesis: “Desde o princípio da Criação, ele os fez homem e mulher. Por isso, o homem deixará o seu pai e a sua mãe, e os dois serão uma só carne”.
“Deus – disse o Papa – não queria que o homem ficasse sozinho, queria uma companheira para seu caminho. O encontro de Adão com Eva é ‘momento poético’. Por outro lado, esta obra de arte do Senhor não acaba ali, nos dias da Criação, porque o Senhor escolheu este ícone para explicar o seu Amor pelo povo”.

“Quando Paulo deve explicar o mistério de Cristo, se refere à sua Esposa, porque Cristo é casado, casado com a Igreja, seu povo. Como o Pai havia se casado com o Povo de Israel, Cristo se casou com o seu povo. Esta é a história do amor, e diante deste caminho de amor, deste ícone, a casuística decai e se transforma em dor. “Quando deixar o pai e a mãe e unir-se numa só carne se transforma num fracasso – e isso pode acontecer – devemos acompanhar as pessoas que sofrem por terem fracassado no próprio amor. Não condenar, mas caminhar com eles e não fazer casuística com eles”.

“Deus abençoou esta obra de arte de sua Criação, e nunca retirou a sua benção.. nem o pecado original a destruiu! Quando se pensa nisso, se vê “como é lindo o amor, o matrimónio, a família; como é bonito este caminho e como devemos estar próximos de nossos irmãos e irmãs que tiveram a desgraça de um fracasso no amor”.

  • Ninguém defende o divórcio fácil. Mas apenas se coloca a pergunta: em nome de um ideal tão bonito e nobre, como é o amor para sempre, tal como é o amor de Deus para connosco, temos o direito de excluir e complicar a vida às pessoas com um fardo ainda maior que a frustração de um matrimónio fracassado?

Não chores…

Dezembro 31, 2013

Não chores pelo que perdeste, luta pelo que tens. 
Não chores pelo que está morto, luta por aquilo que nasceu em ti. 
Não chores por quem te abandonou, luta por quem está contigo. 
Não chores por quem te odeia, luta por quem te quer. 
Não chores pelo teu passado, luta pelo teu presente. 
Não chores pelo teu sofrimento, luta pela tua felicidade. 
Com as coisas que vão nos acontecendo vamos aprendendo que nada é impossível de solucionar, apenas segue adiante.

(Papa Francisco)

Jesus, nosso redentor

Novembro 22, 2013
tags:

1. Diante de Jesus, percebemos que finalmente há um ser humano, homem real e verdadeiro como nós, com todas as suas consequências, que está submetido como nós às condições humanas e às estragações desumanas, que como nós experimenta a força da impotência diante do pecado e que, ao mesmo tempo, é todo este mesmo mistério de comunhão e unidade com Deus e com o seu Espírito. Por isso consegue encontrar em si a lucidez e a força para romper, a partir de dentro desta realidade, a nossa impotência, rasgar a blindagem do nosso pecado e abrir-se à possibilidade de uma realização infinita.

 O que está em causa é romper a fatalidade da impotência diante do mal, não pagar uma dívida devida a Deus! O que está em causa na vida de Jesus é abrir a possibilidade de uma realização plena para o ser humano, não pagar um castigo. O que está em causa é dar ao ser humano tudo o que Deus tem para nos dar como Graça, não dar a Deus tudo o que o ser humano lhe deveria dar como expiação.
 A Familiaridade Salvadora à qual a Redenção de Deus nos conduz consigo é uma comunhão de vida animada pelo Espírito Santo. O Projecto de Deus Redentor é sermos Um só com ele. E desse Projecto não desiste até que a Sua Vida e Felicidade, que já é tudo em Jesus, seja tudo em todos.
 Ireneu de Lyon, um dos maiores cristãos do séc. II, escreveu isto de maneira brilhante: “Deus fez-se Homem para que o Homem se torne Divino”.
2. Há uma coisa fundamental que nós, de cultura individualista, muitas vezes esquecemos: tudo o que Jesus viveu e tudo o que nele aconteceu, não vale somente para ele mas para todos. Por outras palavras: a Redenção que anunciamos não é uma teoria vaga, aérea, mas coincide com o mistério pessoal de Jesus de Nazaré e a acção de Deus nele. A Redenção não é uma “coisa” ou “ideia” mas uma pessoa, no processo concreto da sua existência. Por outras palavras ainda: a Redenção não é uma espécie de misticismo invisível mas, antes de tudo, a maneira concreta de Jesus viver!
 Na sua maneira concreta de existir, num mundo marcado pela impotência diante do mal e do sofrimento, Jesus viveu uma vida de abertura total a Deus e aos Homens, uma vida fraterna, leal e valente, capaz de derrotar dentro de si o ódio e o egoísmo. Fez da vida um processo totalmente baseado no amor e, por isso, viveu cheio de sentido, apesar de tudo… Na medida em que viveu tudo isso dessa maneira, faz possível que todo o ser humano, como ele finito e limitado, circunstanciado e malinado, assuma a existência como Hora de Salvação, como Acontecimento de Redenção e Graça. Na vida de Jesus, rasga-se o véu de alto a baixo que nos mantinha prisioneiros da fatalidade de sermos como somos… Com ele e como ele é possível viver uma vida resgatada, libertada do pecado e do poder do mal.
 3. É importante conhecer as duas palavras usadas no NT e que nós traduzimos normalmente sempre pela mesma: “pecado”. Usa-se Paraptôma, que é o pecado enquanto acto, transgressão… E Hamartia que é o pecado enquanto doença vital, mal que nos habita e habitua, fonte de tristeza e impotência… Pois é este que toma conta de nós e nos faz escravos! É daqui que precisamos ser resgatados para a “gloriosa liberdade dos filhos de Deus”.
 Quando o Evangelho nos anuncia um Jesus capaz de vencer todas as tentações, está a unir-nos à Possibilidade nova aberta por ele, a possibilidade de romper a impotência diante da Hamartia, a força de desobedecer à prepotência da Hamartia…
Em Jesus, já não há situação alguma na qual o ser humano se sinta forçosamente vencido pelo mal.
 Jesus, metido até à ponta dos cabelos neste mundo que é o nosso, mergulhado até ao pescoço nas experiencias e consequências do pecado, foi desatando, uma a uma, todas as impotências… foi libertando, uma a uma, todas as possibilidades… foi desmascarando, uma a uma, todas as fatalidades… e, no exacto momento de o fazer, Jesus estava a fazer tudo isso possível para todos!
 A Vida de Jesus é profundamente Redentora porque abre brechas incuráveis na carapaça do pecado. Rasga caminhos de vida no meio desta realidade concreta ainda habitada e habituada à Hamartia, inventa nesgas através das quais é capaz de entrar a Esperança em toda e qualquer situação, até nas mais injustas e incapacitantes.

4. E, ainda por cima, a vida de Jesus não é Redentora apenas pela força da lembrança de quem ele foi, mas pela Fé de que Deus quis que ele continuasse a ser assim e fazer assim para sempre e para todos! É por aí que vai a Boa Notícia da Ressurreição… para o anúncio de que aquele que foi assim há dois mil anos, continua a ser assim HOJE, vivo e activo no meio de nós porque um ReSuscitado é sempre nosso contemporâneo! E aquele que fazia aquelas coisas junto daquelas pessoas lá da Galileia, é o mesmo que está connosco, AQUI mesmo, para fazer exactamente o mesmo…

A Redenção não foi um veredicto que caiu sobre a cabeça de Jesus a nosso favor. A Redenção não foi um momento de sacrifício e sofrimento que agradou a Deus e nos salvou o coiro a nós… A Redenção é uma pessoa, Jesus mesmo, na sua tão concreta maneira de existir, que continua a fazer tudo o que está ao seu alcance para nos resgatar da Hamartia que habita ainda o nosso mundo, que nos habita a nós e que, pior que tudo, nos habitua de tal maneira que até nos esquecemos que somos escravos e há alguém a bater-nos à porta para nos levar a ser felizes.

(Rui Santiago, in http://derrotarmontanhas.blogspot.pt/2013/10/jesus-nosso-redentor.html)

A transfiguração na morte

Novembro 2, 2013

O dia dos mortos, dois de novembro, é sempre  ocasião para pensarmos na morte. Trata-se de um tema existencial. Não se pode falar da morte de uma maneira exterior a nós mesmos, porque todos nós somos acompanhados por esta realidade que, segundo Freud, é a  mais difícil de ser digerida pelo aparelho psíquico humano. Especialmente nossa cultura procura afastá-la, o mais possível, do horizonte pois ela nega todo seu projeto assentado sobre a vida material e seu desfrute etsi mors non daretur, como se ela não existisse.

No entanto, o sentido que damos à morte é o sentido que nós damos à vida. Se decidimos que a vida se resume entre o nascimento e a morte e esta detém a última palavra, então a morte ganha um sentido, diria, trágico, porque com ela tudo termina no pó cósmico. Mas se interpretarmos a morte como uma invenção da vida, como parte da vida, então não a morte mas a vida constitui a grande interrogação.

Em termos evolutivos, sabemos que, atingido certo grau elevado de complexidade, ela irrompe como um imperativo cósmico, no dizer do prêmio Nobel de biologia Christian de Duve que escreveu uma das mais brilhantes biografias da vida sob o título Poeira Vital  (1984). Mas ele mesmo assevera: podemos descrever as condições de seu surgimento, mas não podemos definir o que ela seja.

Na minha percepção, a vida não é nem temporal, nem material, nem espiritual. A vida é simplesmente eterna. Ela se aninha em nós e, passado certo  lapso temporal, ela segue seu curso pela eternidade afora. Nós não acabamos na morte. Transformamo-nos pela morte, pois ela representa a porta de ingresso ao mundo que não conhece a morte, onde não há o tempo mas só a eternidade.

Consintam-me testemunhar duas experiências pessoais de morte, bem diversas da visão dramática que a nossa cultura nos legou. Venho da cultura espiritual franciscana. Nos meus quase 30 anos de frade, pude vivenciar a morte como São Francisco a vivenciou.

A primeira experiência era aquela que, como frades, fazíamos toda sexta feira, às 19:30 da noite: “o exercício da boa morte”.  Deitava-se na cama com hábito e tudo.  Cada um se colocava diante de Deus e fazia um balanço de toda a sua vida, regredindo até onde a memória pudesse alcançar. Colocávamos tudo, à luz de Deus e aí, tranquilamente, refletíamos sobre o porquê da vida e o porquê dos zigue-sagues deste mundo. No final, alguém recitava em voz alta no corredor o famoso salmo 50 do Miserere no qual o rei Davi suplicava o perdão a Deus de seus pecados. E também se proclamavam as consoladoras palavras da epístola de São João: “Se o teu coração te acusa,  saiba que Deus é maior do que o teu coração”.

Éramos, assim, educados para uma entrega total, um encontro face a face com a morte diante de Deus. Era um entregar-se confiante, como quem se sabe na palma da mão de Deus. Depois, íamos alegremente para a recreação, tomar algum refresco, jogar xadrez ou simplesmente conversar. Esse exercício  tinha como efeito um sentimento de grande libertação. A morte era vista como a irmã que nos abria a porta para a Casa do Pai.

A outra experiência diz respeito ao dia da morte e do sepultamento de algum confrade. Quando morria alguém, fazia-se festa no convento, com recreação à noite com comes e bebes. O mesmo ocorria depois de seu sepultamento. Todos se reuniam e celebravam a passagem, a páscoa e o natal, o vere dies natalis (o verdadeiro dia do nascimento) do falecido. Pensava-se: ele na vida foi, aos poucos, nascendo e nascendo até acabar de nascer em Deus. Por isso havia festa no céu e na terra. Esse rito é sagrado  e celebrado  em todos os conventos franciscanos.

O frade que deixou esse mundo, entrava na comunhão dos santos, está vivo, não é um ausente, apenas um invisível. Há celebração  mais digna da morte do que esta inventada por São Francisco de Assis que chamava a todos os seres de irmãos e irmãs e também a morte de irmã?

A percepção da morte é outra. As pessoas são induzidas a conviver com a morte, não como uma bruxa que vem e arrebata a vida, mas como a irmã que vem abrir a porta para um nível mais alto de vida em Deus.
Cada cultura tem a sua interpretação da morte. Estive há tempos entre os Mapuches, no sul da Patagônia argentina, falando com os lomkos, os sábios da tribo. Eles têm bem outra compreensão da morte. A morte significa passar para o outro lado, para o lado onde estão os anciãos. Não é abandonar a vida, é deixar seu lado visível para entrar no lado invisível e conviver com os anciãos. De lá acompanham as famílias, os entes queridos e outros próximos, iluminando-os. A morte não tem nenhuma dramaticidade. Ela pertence à vida, é o seu outro lado.

Poderíamos passar por várias outras culturas para conhecer-lhes o sentido da vida e da morte. Mas fiquemos no nosso tempo moderno. Há um filósofo que trabalhou positivamente o tema da  morte: Martin Heidegger. Em sua analítica existencial afirma que a condição humana, em grau zero, é a de que somos um ser no mundo, este não como lugar geográfico, mas como o conjunto das relações que nos permitem produzir e reproduzir a vida.

condition humaine é estar no mundo com os outros, cheios de cuidados e abertos para a morte. A morte é vista não como uma tragédia e sim como a derradeira expressão da liberdade humana, enquanto o último ato de entrega. Essa entrega sem resto abre a possibilidade para um   mergulho total na realidade e no Ser. É uma espécie de volta ao seio de onde viemos como entes mas que buscam o Ser. E finalmente, ao morrer, somos acolhidos pelo Ser. E aí já não falamos porque não precisamos mais de palavras. É o puro viver pela alegria de viver e de ser no Ser.

Para o homem religioso, este Ser não é outro senão o Supremo Ser, o Deus vivo que nós dá a plenitude da vida.

Leonardo Boff